segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Os Versos que me Fizeram

Há anos atrás ouvi uma história... é curioso quando um dia nos lembramos dela e de algum modo a nossa vida, e digo literalmente a minha vida, começou neste poema...Amo-vos muito, por me terem feito tão geneticamente... como direi ... deixa ver... Perfeito (hoje posso, só por hoje):

Deixa-me dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer
São talhados em mármore de Páros
Cinzelados por mim pra te oferecer.
Têm dolências de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder...
Deixa-me dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer!
Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda...
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz!
Amo-te tanto! E nunca te beijei...
E nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!
Florbela espanca,1894-1930

domingo, 30 de agosto de 2009

A-manhã

Desaparecer...
Acordar antes de ser hora de acordar;
Tomar o pequeno-almoço fora de casa;
Tirar fotografias numa máquina de metro;
Ir a um lugar onde nunca tenha ido;
Perder-me e almoçar num sítio novo;
Ler deitado na relva;
Ver um filme numa verdadeira sala de cinema;
Voltar a um lugar só para recordar;
Comprar uma coisa inútil;
Comprar um verdadeiro presente;
Sorrir a quem se cruzar comigo;
Entrar numa loja de bairro;
Encontrar um livro velho;
Ver o pôr-do-sol a partir do Tejo;
Jantar sem velas;
Dar os parabéns a mim mesmo...
E encontrares-me...

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Música na razão

Se temos dúvidas sobre o momento em que a nossa vida começa a mudar, basta ver quando foi a última vez em que mudámos o CD que ouvimos vezes sem conta. Quando ele volta para a caixa, para dar lugar a novas músicas, esse é o momento. Muito mais notório do que cortar o cabelo.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Cine de Vita

Aristóteles defende que a arte deve ser verosímil. Mais do que ser verdade ou um decalque da realidade, ela deve parecer real, simples como os acontecimentos do dia a dia, com características que a tornem especial e única, mas que não ultrapasse a nossa noção de realidade.
Quando ocorreu o atentado às Torres Gémeas, muito se falou em a realidade ultrapassar a ficção. Mas quando é que a realidade ultrapassa a ficção? Como é que conseguimos perceber o mundo quando a nossa história de vida ultrapassa os nossos conceitos ficcionais? Quando é a nossa vida?
Existem momentos únicos na vida de cada um, às vezes um presente, uma festa surpresa, um encontro inesperado, uma revelação bombástica, a descoberta de uma traição, um príncipe, um vilão, Cassandra, Pitonisas, um Cavalo de Tróia, uma verdade uma mentira e muitos enganos.
E quando tudo isto se une numa mesma história, num único espaço temporal, e damos por nós a viver muito além da ficção, muito além do que acreditámos durante tanto tempo como verdade. Quando um encontro muda a nossa vida, a põe de cabeça para baixa, quando um segredo se torna em várias verdades, quando magoamos personagens que na nossa história estavam no lugar errado á hora errada. Quando encontros e desencontros moldam os nossos dias. Quando vivemos em dois mundos e de repente eles se cruzam e os príncipes se tornam vilões, os confidentes em marionetas, as setas disparam em todas as direcções, e as revelações não cessam.
E quando pensamos que a história acabou e vamos fechar o livro, sair da sala de cinema ou abandonar a exposição, a vida continua para além de tudo o que nos aconteceu. Em que há feridos que continuam feridos, há mortos que jamais serão ressuscitados. Nós actores, sem papel, das nossas vidas perdidos com todos os filmes, livros, quadros e fotografias às costas sem saber como continuar, porque não nos explicaram o que vem depois.
Existe um êxtase em viver que nos perde e existem histórias que na ficção só são reveladas no fim quando a personagem morre. Como continuamos depois de tudo isto, como explicamos que a nossa vida ultrapassou tudo o que a ficção mostra? E nós actores de um papel nosso fomos seduzidos pela nossa própria vida e pela espectacularidade do que nos acontecia. Como personagens vivemos cada momento bom e mau, e como espectadores ficávamos fascinados com tudo o que acontecia, com o como acontecia.
É terrível a vida ultrapassar a realidade.