quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Pisa Papéis

Para a Alexandra
As palavras têm pesos que não medimos, porque não sabemos como são recebidas. Como nos lêem no meio de cada letra que colocamos num papel escrito ou cada som numa frase desintencionada. Por vezes os olhos falam, mas o papel em branco, deixa no branco as nossas falhas e a nossa vontade de dizer outras coisas por entre uma vírgula esquecida.
O modo como nos vêm determina-nos e existe um tão grande vazio quando nos vêm com gestos que não são nossos. Cada erro que cometemos faz-nos ponderar sobre nós e a nossa falta de ponderação. Há palavras que ferem numa intenção contrária.
Aristóteles via na comédia a acção de homens inferiores e é assim que somos abandonados pelos deuses, sendo o destino a nossa própria acção. Quando na graça procuramos a graça no outro, corremos o risco de magoar no amor o objecto do nosso afecto, no trabalho as horas perdidas do colega e na saúde uma dor que não calculamos.
Para Bergson o riso é a característica mais intrínseca do humano. Na natureza o humor está nos nossos olhos. No homem o humor parte de uma comunhão de vontades...
Cabe a cada um de nós medir os nossos limites, as nossas subtilezas, de forma a não colocar o outro em causa no desgaste que cada acção acarreta. Nas horas perdidas, nas frustrações das impossibilidaddes que almeja, nos telefonemas não retribuídos, num bom dia, num adeus ou num obrigado. Ao reconhecer o trabalho que leva à construção de um jardim, devemos agradecer ao jardineiro cada semente que plantou, ainda que agora, em flor, a àrvore pareça deslocada do canteiro.
A nós resta-nos pedir Desculpa.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Abraça-me, só Hoje!

Ele persegue-nos na nossa imaginação, capaz de nos destruir e arrasar sem que percebamos que só nós o deixamos existir. O Futuro é a nossa incapacidade de lidar com a morte: - Se há um amanhã, então hoje não é o fim, e há tempo.
O problema é quando nos vemos sozinhos, abandonados no amanhã, porque já hoje foi assim. sentimo-nos pequenos, demasiado pequenos. O Futuro vulnerabiliza-nos de tal forma que esquecemos o que conquistámos hoje e a glória de ontem.
Por outro lado, a sua incomensurabilidade torna-o demasiado forte, uma prisão sem grades, castra-nos e imaginamo-lo a libertar-nos. Não há tarot, astrologia ou karmas que justifiquem o nosso futuro. Ele existe e nós deixamo-lo tornar-se mais presente, ou não, nas nossas vidas.
Pessanha escreveu o mais belo soneto português. E se não houvesse futuro? Se o meu leito de morte tivesse desaparecido, a minha mesa de cear e o vinho? O meu Corpo seria o meu próprio limite, e a eternidade destruir-me-ia. Porque a eternidade é muito tempo...

Quem poluiu, quem rasgou os meus lençóis de linho,
Onde esperei morrer - meus tão castos lençóis?
Do meu jardim exíguo os altos girassóis
Quem foi que os arrancou e lançou no caminho?

Quem quebrou (que furor cruel e simiesco!)
A mesa de eu cear - tábua tosca de pinho?
E me espalhou a lenha? E me entornou o vinho?
- Da minha vinha o vinho acidulado e fresco...

Ó minha pobre mãe!... Nem te ergas mais da cova.
Olha a noite, olha o vento. Em ruína a casa nova...
Dos meus ossos o lume a extinguir-se breve.

Não venhas mais ao lar. Não vagabundes mais,
Alma da minha mãe... Não andes mais à neve,
De noite a mendigar às portas dos casais.


Por vezes penso até que ponto a Loucura não será a consciência da Eternidade! A solidão destrói-nos quando a projectamos no Futuro e o Amor parece ser a única salvação. Mas e se as setas de Cúpido tiverem sido destruídas, o vinho de Baco derramado, as alianças fundidas e os véus rasgados?
Tal como o Futuro a incomensurabilidade do Amor também está em nós. Aceita cada abraço que te damos porque assim também tu nos abraças. Ele é o gesto mais completo, quem nos abraça protege-nos as costas e deixa-nos proteger também. Existe uma tal vitalidade num abraço que quando nos mimamos os dois, os nossos corpos aproximam-se e os nossos corações sincronizam-se. Amados, amantes, amigos que nos devolvem num abraço a pequenez insignificante do Futuro. Porque ainda é terrível não saber o Futuro.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

O Espelho de Pandora

Duas coisas que sempre me fascinaram foram caixas e espelhos. Talvez seja porque uma esconde na ânsia de ser descoberta e a outra mostra a nossa vontade de nos escondermos.
Caixas de perfumes que já acabaram, de sapatos que guardam outros sapatos, a das bolachas com uma única bolacha e as outras. Porque será que tão poucos presentes ainda vêm dentro de caixas? E o que escondemos nós lá?
Cartas de amor, convites e bilhetes de uma ida ao cinema e de cujo filme nem nos lembramos, um papel rasgado com uma nota ainda mais rasgada. As fotografias que não queremos que ninguém veja, segredos, indiscrições que não queremos perder. Um chocolate que abandonamos numa caixa só para que tenhamos o prazer de o encontrar. Cada caixa é um mistério eterno, porque fechada ela representa a nossa ânsia de sermos abertos, de que nos descubram aos poucos ou por inteiros. Porque temos caixas ao fundo dos nossos roupeiros ou debaixo da cama? Podíamos fechá-las com chaves, mas nem isso queremos, senão porque seriam de papel?
Já o espelho é o contrário. Escondemo-nos sempre atrás de um espelho. Cabelo penteado, maquilhagem, roupa engomada, a mancha no dente que disfarçamos quando treinamos o sorriso. Escondemos quem somos para que não nos descubram. Não podia estar o espelho dentro do roupeiro, lá ao fundo, ou debaixo da cama? Porque haverá um prazer sem igual ao de nos perfumarmos em frente ao espelho? Que cheiros ou que desejos queremos esconder atrás do nosso perfume?
Edward Burne Jones pintou a sua Vénus ao espelho, na água, Velázquez deitou-a nua ao espelho, o que enfureceu uma feminista. Porque se esconde sempre o amor ao espelho e o guardamos invariavelmente dentro de uma caixa?

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Um beijo com Arte

Se o meu Reino coubesse numa caixa de cartão, teria tantos tesouros, quanto uma ilha encantada:

Sementes, sempre gostei de sementes;
Bombons, muitos;
Um poema e um verso;
As últimas páginas de um livro de Agatha Christie;
Uma receita;
Uma fotografia de ninguém;
Um leão;
Recortes de jornal;
Uma fita de cetim para atar sonhos;
Um chupa-chupa da minha infância;
Um bilhete só de ida;
Uma amostra de perfume;
Um Cd que nunca ouvi;
Um desenho num guardanapo;
Uma pedra que encontrei na rua;
Um postal;
Um selo para lamber;
A página de uma agenda com uma data só minha;
A Prata de um chocolate de Natal;
Uma caixa de música;
Uma rolha;
O mar e uma nuvem;
Uma colher roubada;
Um cavalo branco;
Uma súplica e um agradecimento;
A caneta com que escrevi o teu nome;
Uma mensagem que não li;
Uma coisa roubada;
Uma oferecida;
Outra encontrada;
E outra abandonada;
E a chave do meu coração.

O meu Reino tem a minha Família, os meus Amigos e os meus Amores, todos numa caixa de cartão fechada com um laço. E um nó tão forte prende-me a ela que só as lágrimas e os sorrisos que me dão, a abrem.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Rosa Regina Inter Pares

Durante oito anos, uma das mais prestigiadas cantoras líricas europeias entrou no seu camarim e encontrou-o repleto de Rosas Brancas e Encarnadas.
Nascida em Lisboa, Regina Pacini viria a ser a voz mais apreciada da ópera do início do século. Marcelo Alvear, um jovem de uma família aristocrata Argentina, apaixona-se perdidamente por Regina e conquista-a com Rosas. Ela, Turandot conquistada, abandona a música e parte para o outro lado do Atlântico onde se torna na única primeira-dama estrangeira da Argentina.

Desde sempre que as flores e o amor andaram entrecruzando-se. Sejam rosas, camélias, jacintos ou lírio, elas conquistam um coração no simples gesto de as levar à face e cheirá-las. Apolo transforma o seu amado pastor em um Jacinto. Para Garrett a flor de amor é o Lírio. Marguerite e Violetta falavam por Camélias aos seus amantes e para Júlio Dantas há Rosas de todo o ano. Mais uma vez a rosa... Manuel María (1929-2004) escreve, o que é para mim, um dos mais belos poemas sobre rosas:

SEMPRE a rosa. Sempre:
a forma,
a cor,
o recendo,
a luz,
a perfeccian da rosa.
Prefiro a rosa vermella.
E amo a rosa branca porque,
cando lle digo simplesmentes: ROSA,
entrecerra os ollos,
treme e ruborece.

Cada flor trás em si uma ingenuidade e um ardor que ultrapassa o nosso imaginário.
Marcelo comprou todos os discos em que a voz de Regina estivesse eternizada, e ela nunca se arrependeu de não voltar a cantar. Porque no fim ficaram só as Rosas, num laço que os prende.
E durante vinte e três anos, ela visitou-o e levou-lhe Rosas, ao camarim da eternidade, Brancas e Encarnadas no aniversário da sua partida.