sábado, 21 de fevereiro de 2009

Abraça-me, só Hoje!

Ele persegue-nos na nossa imaginação, capaz de nos destruir e arrasar sem que percebamos que só nós o deixamos existir. O Futuro é a nossa incapacidade de lidar com a morte: - Se há um amanhã, então hoje não é o fim, e há tempo.
O problema é quando nos vemos sozinhos, abandonados no amanhã, porque já hoje foi assim. sentimo-nos pequenos, demasiado pequenos. O Futuro vulnerabiliza-nos de tal forma que esquecemos o que conquistámos hoje e a glória de ontem.
Por outro lado, a sua incomensurabilidade torna-o demasiado forte, uma prisão sem grades, castra-nos e imaginamo-lo a libertar-nos. Não há tarot, astrologia ou karmas que justifiquem o nosso futuro. Ele existe e nós deixamo-lo tornar-se mais presente, ou não, nas nossas vidas.
Pessanha escreveu o mais belo soneto português. E se não houvesse futuro? Se o meu leito de morte tivesse desaparecido, a minha mesa de cear e o vinho? O meu Corpo seria o meu próprio limite, e a eternidade destruir-me-ia. Porque a eternidade é muito tempo...

Quem poluiu, quem rasgou os meus lençóis de linho,
Onde esperei morrer - meus tão castos lençóis?
Do meu jardim exíguo os altos girassóis
Quem foi que os arrancou e lançou no caminho?

Quem quebrou (que furor cruel e simiesco!)
A mesa de eu cear - tábua tosca de pinho?
E me espalhou a lenha? E me entornou o vinho?
- Da minha vinha o vinho acidulado e fresco...

Ó minha pobre mãe!... Nem te ergas mais da cova.
Olha a noite, olha o vento. Em ruína a casa nova...
Dos meus ossos o lume a extinguir-se breve.

Não venhas mais ao lar. Não vagabundes mais,
Alma da minha mãe... Não andes mais à neve,
De noite a mendigar às portas dos casais.


Por vezes penso até que ponto a Loucura não será a consciência da Eternidade! A solidão destrói-nos quando a projectamos no Futuro e o Amor parece ser a única salvação. Mas e se as setas de Cúpido tiverem sido destruídas, o vinho de Baco derramado, as alianças fundidas e os véus rasgados?
Tal como o Futuro a incomensurabilidade do Amor também está em nós. Aceita cada abraço que te damos porque assim também tu nos abraças. Ele é o gesto mais completo, quem nos abraça protege-nos as costas e deixa-nos proteger também. Existe uma tal vitalidade num abraço que quando nos mimamos os dois, os nossos corpos aproximam-se e os nossos corações sincronizam-se. Amados, amantes, amigos que nos devolvem num abraço a pequenez insignificante do Futuro. Porque ainda é terrível não saber o Futuro.

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