segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Solidão em Cem Anos

Poderá a solidão ter um cheiro, uma textura, um toque ou sabor... Não sei. Talvez a solidão seja tão só o medo de podermos estar sozinhos, mesmo que nunca estejamos. A solidão ganha todos os dias novas dimensões novas cores: Só no meio de tanta gente; Tenho amigos mas sinto-me só.

Na verdade, o sentimento torna-se todos os dias no reflexo do nosso medo de já estarmos esquecidos, antes de morrermos. De reconhecermos que abandonámos alguém e que agora já ninguém nos encontra.
Todos adoramos abrir o e-mail e ter lá mensagens, mesmo que sejam as newsletters que nos enviam, ou o correio e ter uma carta, mesmo que seja a conta da água. Não importa se um sistema operativo pré-programado nos envia seja o que for. É reconfortante saber que afinal se lembram de nós e o nosso dia até parece correr melhor. Receber uma mensagem no telemóvel que podemos não responder, ou uma chamada perdida que retribuímos mais tarde, amanhã, depois, talvez...
Quando Gabriel Gracía Marquéz escreveu os seus cem anos não podia calcular que hoje íamos estar tão acompanhados quanto sós. Os Buendía são um reflexo das nossas famílias, dos nossos amigos, de nós mesmos em cada um deles. Úrsulas, Aurelianos, Amaratas somos todos nós a envelhecer, a lutar, a ver chover, amados, rejeitados, mortos. A Solidão tem o seu próprio cheiro, o da nostalgia dos sorrisos que temos medo de dar sozinhos e que ninguém note.
A imagem que acompanha este cheiro tinha a seguinte legenda: "Digam o que disserem o mal do século é a solidão". Não sei se será. Agora a certeza de que vamos ser esquecidos, não nos deixa iludir, mesmo que um dia o Nosso quadro a óleo seja o espólio de um museu, a Nossa imagem restaurada apareça num filme ou a Nossa voz recuperada e remasterizada. O medo da legenda apavora-nos: Figura desconhecida. Porque será que o cheiro dos nossos avós, do passado, das suas casas é também o cheiro da solidão. Cheira o Palácio da Ajuda a Solidão?

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